'A Cabana' é acusado de heresia por parte dos evangélicos

O filme traz Octavia Spencer como um Ser Supremo que gosta de fazer torta de maçã, ouvir Neil Young e jogar conversa fora com o filho Jesus, tipo árabe barbudo de jeans e camisa xadrez, e o Espírito Santo, uma jovem oriental que atende por Sarayu.
A evangélica Rosa faz parte do público-alvo da distribuidora
Paris Filmes, que contratou a 360
Way Up, empresa focada no marketing cristão, para ajudar no lançamento.
A estreia, que ocorreu no dia 8, foi promissora: 544.641 espectadores em 670 salas
de cinema nos primeiros quatro dias em cartaz, o bastante para garantir a
"A Cabana" a segunda maior bilheteria do fim de semana no Brasil, só
atrás de "A Bela e a Fera". Poderia ter sido melhor.
Os motivos que levaram Rosa a gostar tanto da obra, afinal,
são os mesmos que afastam outros tantos evangélicos.
Dar uma forma humana a Deus é uma das muitas heresias que
povoam "A Cabana", segundo correntes teológicas que guiam a fé
evangélica – o homem feito à imagem e semelhança de Deus, como diz a Bíblia,
significa que "somos obras de Suas mãos, mas não a personificação
d'Ele", explica o teólogo Marcelo Rebello.
Nos EUA, vários blogs se dedicaram a malhar primeiro o livro
do canadense William P. Young, um best-seller que vendeu mais de 25
milhões de cópias, e agora o filme homônimo. O debate chegou ao "Christian
Post", referência global de jornalismo religioso, que, em março,
publicou o artigo "Seria 'A Cabana' Cristão ou New Age?" Conclusão:
"A igreja americana está faminta por discernimento e sufocando com
heresia".
Autor de "Burning Down the Shack" (queimando a
cabana), James DeYoung vê como maior "despautério
bíblico" a "doutrina da salvação universal" que permeia a
narrativa. Em miúdos: frases do Deus de "A Cabana" sustentam que Seu
amor é grande o bastante para salvar a todos, não importa o quanto se errou e
se houve arrependimento.
Para DeYoung, papo de herege. "Assim não há a noção de
inferno permanente, nem para o Diabo e seus anjos. A história não diz como as
pessoas podem vir a Deus e achar perdão", afirma ao Boas Escolhas
Inc.
O enredo: Mack (Sam Worthington), um pai de família
pouco crente, é convidado por Deus (mulher "negra, enorme e
sorridente", como descreve o livro) para voltar à cabana que foi palco de
uma tragédia familiar três anos antes. A certa altura, confessa que sempre
pensou no Todo-Poderoso com um velhote de barba branca. "Acho que esse é
Papai Noel", rebate Ele/Ela.
"O principal problema teológico da narrativa é a forma
como a Trindade é retratada: um Deus que não é onisciente, um Jesus que não é
divino e um Espírito Santo que não regenera o pecador", diz à reportagem Leonardo
Galdino.
Ele criticou o livro no blog "Voltemos ao Evangelho".
"Torna-se patente o desprezo pela igreja e pela adoração corporativa,
ressaltando-se e a valorização da experiência pessoal, como bem reza a cartilha
pós-moderna", escreveu, destacando um trecho: "Mack estava farto
[...] de todos os pequenos clubes sociais religiosos que não pareciam provocar
qualquer mudança real".
Ygor Siqueira, da 360, reconhece que algumas partes
podem causar estranhamento a evangélicos. "Em duas cenas falei assim: 'Pô,
puxa mais para o espiritismo'. Nelas, o protagonista interage com duas pessoas
mortas, algo incoerente com o credo evangélico.
Mas, para ele, a polêmica não atrapalha a carreira do filme.
Pelo contrário. "O boca a boca está forte. Uns criticam, outros falam bem.
A Octavia como Deus talvez choque no começo, mas depois passa".
Para divulgar o filme, ele convocou lideranças evangélicas,
inclusive a cantora recordista de vendas Aline Barros. Ela foi ao Facebook elogiar
a história que fala sobre cura "de um jeito surpreendente".
Para DeYoung, "vivemos numa era de
crescente analfabetismo bíblico", daí a boa repercussão de "A
Cabana". Ainda que crítico à narrativa, Galdino é contra boicotar o filme.
Importa mais "examinar tudo e reter o que for bom, conforme orienta o
apóstolo Paulo", resume.