''Nunca alisei o meu cabelo'', conta estilista de moda afro
Xongani: a palavra vem do changana, língua africana do sul de Moçambique, e significa algo
como ''arrumem-se'', ''enfeitem-se'' ou ''fiquem bonitas''. Essa é a inspiração que
levou Ana Paula Xongani, de 29 anos,
a criar uma marca de moda e acessórios focada na beleza negra.
Formada em design pela Faculdade
de Belas Artes de São Paulo, Ana Paula é sócia-fundadora e estilista da Xongani, em parceria com sua mãe, Cristina Mendonça. Foi a matriarca,
artesã e costureira das boas, quem sempre estimulou a única filha menina a
valorizar os cabelos crespos com faixas e acessórios coloridos.
Crescer ouvindo elogios como ''que cabelo lindo!'' fez toda a
diferença na autoestima de Ana Paula, que também tem um canal no YouTube no qual fala sobre moda e
estilo afro-brasileiros, beleza negra, feminismo negro e autoestima. ''Não
adianta só eu me sentir empoderada. O empoderamento só faz sentido se for
coletivo. Essa é minha missão'', afirma.
Hoje, mantendo seu ateliê no bairro de Artur Alvim, em São
Paulo, ela veste famosas como Taís
Araújo e Sheron Menezzes, além
de preparar-se para exportar não apenas moda, mas cultura e autoestima para o
resto do mundo. Fomos conhecer o espaço e conversamos com ela.
''Eu nunca alisei o cabelo. Sou uma exceção gigantesca no
universo da negritude. Isso porque minha mãe, militante das causas negras,
sempre me estimulou a gostar do meu cabelo do jeito que ele era, criando
penteados e acessórios bonitos. O que não tinha no mercado ela inventava. Minha
tiara do balé era colorida e bordada com miçangas. Assim, eu era muito
elogiada. 'Que cabelo lindo', as pessoas diziam. Hoje, sei que talvez
exaltassem mais o cuidado, a maneira como eu me arrumava, mas isso contou para
que eu cultivasse uma autoestima que me protegeu ao longo da vida. Em casa,
éramos só meu irmão mais velho e eu. Minha mãe teve a sabedoria de perceber que
o mundo reagia diferente a uma menina negra e fez com que eu me sentisse
especial.
Nos meus aniversários, se eu ganhasse seis bonecas brancas,
ela me pedia para escolher apenas três. As outras que sobravam ela substituía
por bonecas negras. Fui uma das primeiras garotas a ter uma Barbie negra na
década de 1990. Ela deu um jeito de pedir para alguém trazer dos Estados
Unidos, imagine só. Hoje, tenho uma coleção de Barbies negras e contei essa
história em um dos meus vídeos no YouTube.
Com uma filha de 3 anos, colecionamos juntas as bonecas. Procuro educá-la da
mesma maneira, pois vejo que, embora muitas questões sobre o racismo tenham
evoluído, o preconceito se reinventa e se reveste de outras formas. Por
exemplo, no meu canal, não recebo ataques diretos, mas há pessoas que fazem
comentários tentando me desqualificar, dizendo que sou 'burra' ou 'feia',
apenas porque sou negra.
Na faculdade, sofri a 'invisibilidade'. Era a única negra da
sala e sentia ser preterida nos grupos de trabalho. Fui seguindo a minha vida,
trabalhando desde cedo com design, até que, aos 21 anos, em uma viagem a
Moçambique, descobri as 'capulanas', tecidos africanos estampados, cheios de
charme. Foi um despertar. Pensei: 'Existe algo além'. Algo que inspirava novas cores,
novos usos, novas maneiras de valorizar a beleza negra. Na hora, liguei para
minha mãe. Ela me disse para deixar minhas roupas lá e trazer a mala cheia de
tecidos. Assim, nasceu a Xongani.
Com muita paixão e dedicação, abrimos um ateliê e fomos criando brincos,
tiaras, túnicas, turbantes. O estoque vivia acabando. De repente, não dávamos
conta de tantos pedidos. Abrimos uma loja virtual.
Hoje, produzimos cerca de mil peças por mês e
estamos nos estruturando para exportar. Fazemos até vestido de noiva, sempre
usando referências da cultura africana: em vez de pérolas, miçangas e bordados.
Quando se fala em empoderamento, penso em autoconhecimento e autoestima. Não
adianta eu me sentir empoderada se não inspirar e empoderar as mulheres ao meu
redor. Essa é uma transformação pessoal e do meio em que vivo. Utilizando-me da
moda e do meu canal no YouTube,
procuro contribuir para o resgate e a valorização da cultura africana no
Brasil. Quero que cada vez mais mulheres negras se sintam bonitas por serem
exatamente como são''.