Médicos acreditam que cura do HIV virá até 2020
Uma parcela significativa da comunidade médica mundial não
tem dúvida: a cura para o HIV é possível e virá dentro de poucos anos. O que,
no auge da epidemia, sequer era discutido, hoje é encarado como meta.
— Se me perguntassem três anos atrás se o HIV tem cura,
minha resposta seria não. Hoje, é sim — disse, durante uma conferência sobre o
tema em São Paulo, Mario Stevenson,
chefe da Divisão de Doenças Infecciosas
e diretor do Instituto de Aids da Universidade de Miami, nos EUA.
A mudança de opinião parece abrupta, mas ele mal piscou
enquanto justificava a nova posição:
— Surgiram tantos estudos nesses últimos anos, e todos tão
bem embasados e promissores, que é difícil, como médico, não enxergar um
caminho para a cura — ressaltou ele, que é virologista molecular e trabalha com
HIV/Aids há mais de 25 anos.
Stevenson foi um dos palestrantes do encontro promovido pela
amfAR, a Fundação para Pesquisa da Aids,
na Escola da Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Nessa
conferência, foi reafirmado o compromisso da fundação com a iniciativa batizada
em 2015 de ''Contagem Regressiva'', que estipula o ano de 2020 como o prazo para
a descoberta de uma cura para o HIV. Não significa que a população que vive com
o vírus começará a ser curada nessa data, mas sim que um método científico de
cura deverá ser encontrado e validado.
Reservatórios virais são a chave
Segundo a fundação, que é a maior agência sem fins
lucrativos de fomento à pesquisa sobre esse tema no mundo, a ''mágica'' para
chegar à cura é encontrar um meio eficiente de eliminar o que são conhecidos
como reservatórios virais. Quando o indivíduo infectado com HIV se trata,
tomando os medicamentos antirretrovirais, o vírus não some do corpo, mas fica
latente, ''adormecido'' dentro de algumas células. Nos muitos casos em que o
tratamento é bem-sucedido, a carga viral se torna indetectável. Isso é ótimo
para o paciente, que, apesar de ter que tomar esses remédios durante toda a
vida, não irá sofrer com os efeitos físicos da Aids. No entanto, é ruim para os
esforços que buscam eliminar completamente o vírus do corpo.
Isso se explica pelo fato de que, com o HIV indetectável no
organismo, os pesquisadores não conseguem saber onde estão as células
infectadas. Os reservatórios virais ficam, então, invisíveis. E identificá-los
é o primeiro de quatro passos para acabar com o HIV. O segundo é entender,
cientificamente, o que mantém esses reservatórios vivos. Depois, mensurar
quantas e quais células estão neles. E, por fim, retirar todas elas do corpo.
A reação imediata de quem se depara com esse passo a passo é
pensar que a teoria é bem mais simples do que a prática. É verdade, mas essa ''rota'' já teve êxito uma vez, resultando na única pessoa com HIV que foi curada
até hoje: Timothy Ray Brown, mais
conhecido como ''o paciente de Berlim''. Ele, que é americano, foi infectado em
1995 e, em 2006, descobriu estar com leucemia. Brown começou, então, a se
tratar em um hospital ligado a uma universidade de Berlim, e seu médico, o
hematologista Gero Huetter, fez nele
um transplante de medula óssea de um doador que possuía uma mutação genética
capaz de tornar seu organismo imune ao HIV. Tratava-se de uma raríssima mutação
no gene CCR5. Desde então, o paciente não só está curado do câncer, como também
não toma antirretrovirais e não tem vestígio de HIV.
Mas, então, por que não usar o transplante de medula óssea
para curar quem é soropositivo?
— Essa cirurgia tem taxa de mortalidade de 25%, os custos
são muito altos e é extremamente difícil conseguir um doador compatível com o
paciente que tenha também a mutação no gene CCR5 — responde Mario Stevenson.
Ainda assim, o caso do ''paciente de Berlim'' melhorou muito a
compreensão de como funciona o HIV e de como se poderia reproduzir esse
resultado sem passar pelos riscos de um transplante. Aliás, uma pesquisa
colaborativa na Europa busca reproduzir o caso de Brown, debruçando-se sobre
células-tronco.
Outra iniciativa, de um grupo de pesquisadores da Austrália,
envolve a utilização de drogas anticâncer em pacientes soropositivos, estudo
que já se encontra em fase de testes em humanos. Existe também um grupo de
pesquisa que reúne cientistas de Estados Unidos, Dinamarca e Alemanha que está
combinando anticorpos como uma droga. Juntas, essas substâncias tiram o vírus
do seu estado de latência — é como se ''acordassem'' o HIV, que fica adormecido
por conta dos remédios antirretrovirais, e o obrigasse a sair de seu
esconderijo na célula. Essa pesquisa está, atualmente, em testes clínicos. Em
outro estudo, também abordando anticorpos, foram realizados testes em quatro
macacos infectados. Os animais receberam injeções de anticorpos que forçam o
vírus a se manifestar e, em paralelo, são eliminados. Um desses macacos foi
curado. O estudo, no entanto, só deve ser publicado em revista científica daqui
a pelo menos um mês.
Esper Kallás,
professor de Imunologia Clínica da USP, pondera que 2020 está perto demais para
garantir uma cura comprovada e viável até lá, mas garante que ela está a
caminho.
— Eu acredito que ainda vou estar vivo para ver essa cura.
Estamos muito mais próximos do que jamais estivemos — defendeu ele, que
participa de um estudo liderado pela Universidade
George Washington, nos EUA, chamado ''Projeto Believe'', com a intenção de
usar agentes de imunoterapia para eliminar reservatórios virais.
O que Kallás mais teme, no entanto, é que os cortes de
verbas para pesquisa que têm ocorrido no Brasil e em outras partes do mundo
virem um entrave para esses avanços.
Hoje, existem mais de 44 milhões de pessoas com HIV no
mundo, de acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS). No último relatório do Ministério da Saúde, foram contabilizados no Brasil mais de 842 mil
infectados. No entanto, estima-se que sejam, na verdade, mais de 1,2 milhão,
por conta de problemas de testagem.
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