'Sobrevivi a quatro sentenças de morte'

Eu não conseguia acreditar nas palavras do médico. Câncer?
Aquilo não podia estar acontecendo comigo. E o pior: na opinião do doutor, eu
tinha no máximo mais seis meses de vida. As chances de o tratamento ter
resultado eram mínimas, pois meu tumor maligno era de um tipo raro muito
perigoso. Mesmo assim, ele insistiu para que eu lutasse. Mas aquilo me soou
vazio: depois de me dar uma sentença de morte, o médico queria que eu me
cuidasse?
Entrei em depressão e
quase me entreguei
Desolação era a palavra que definia o que eu sentia. Mesmo
que eu conseguisse sobreviver, o tratamento me deixaria estéril. Essa era a
minha realidade: morrer ou, na melhor das hipóteses, não poder realizar meu
maior sonho, que era ser mãe. Sinceramente, achei que não valia a pena lutar.
Meu mundo estava desabando e eu só tinha meus pais para me apoiar. Não sabia se
aguentaria. E acabei entrando em depressão. Meu tumor era na virilha e eu teria
de fazer quimioterapia e radioterapia. Mas, como as chances de o tratamento dar
certo eram mínimas, não me sentia forte para enfrentá-lo. Para não desabar de
vez, me apeguei ao meu trabalho de organização de eventos e de lançamentos
imobiliários. Trabalhava de segunda a segunda para me manter ocupada. Quando
comecei a fazer a quImio, em 2002, minha mãe e o médico praticamente tinham que
me arrastar para as sessões. Eu não queria ir. O procedimento me deixou careca
e me fez engordar: fui dos 60 kg para os 94 kg. Mas valeu muito a pena, pois
mostrou que minha sentença de morte estava errada! Não só passei dos seis meses
como me recuperei completamente do câncer. Depois de dois anos, o tratamento
terminou e não havia mais vestígio da doença em mim.
Contra todas as
expectativas, consegui engravidar
Mesmo após essa vitória, minha depressão continuou. Eu
estava viva, mas não seria mãe. Não conseguia me conformar. A verdade é que eu
não tinha vontade de viver, mesmo tendo vencido a morte. Por isso, no final de
2003 fui a um psiquiatra que me recomendou um antidepressivo. Ao tomar a
primeira pílula, passei muito mal, tive enjoo e tonturas. Desisti do tratamento
na hora. Mas o outro efeito colateral foi bem maior: o antidepressivo cortou a
ação do anticoncepcional que eu tomava havia anos, por hábito mesmo. De
repente, comecei a enjoar, engordar e minha menstruação atrasou. Mas, como
teoricamente eu tinha ficado estéril após a quimioterapia, nem considerei uma
gravidez. Até que um dia desmaiei durante um evento. Fui levada para o hospital
e lá recebi a notícia de que estava grávida de dois meses.
Os médicos entraram em desespero com a notícia. Primeiro
porque, tecnicamente não tinha como eu ter engravidado. Segundo, porque meu
organismo estava muito fragilizado pela quimioterapia e a gravidez seria de
risco. Mesmo assim, fiquei feliz como nunca. Aquilo permitiu que eu me sentisse
uma mulher realizada.
O câncer voltou. E
com mais força
Apesar do risco, a gravidez correu bem e meu bebê, o Victor,
nasceu lindo e saudável. Me senti realizada e completa. Parecia que minha vida
finalmente era o que sempre quis. No entanto, essa felicidade durou só seis
meses. Um inchaço no meu pescoço me pareceu suspeito e, quando procurei o
médico, recebi o novo diagnóstico: câncer outra vez. Eu tinha parado com o
acompanhamento médico nos dois anos anteriores e o tumor já estava num estágio
bem avançado. Fiquei muito abatida e inconformada, mas eu não podia perder
tempo lamentando: era preciso começar a quimio o quanto antes. Só que o
convênio médico negou minha solicitação para o tratamento. Alegaram que eu
estava gerando muitos gastos. Nisso, meu tumor cresceu tanto que eu não
conseguia mais respirar. Até que um dia, completamente sem ar, procurei meu
médico e ele foi taxativo: ou eu me tratava naquele momento ou morreria no dia
seguinte. O problema é que uma sessão de quimioterapia custava R$ 9 mil e eu
não tinha como pagar. Eu havia acabado de receber minha segunda sentença de
morte. Entrei em desespero! Só que agora eu tinha um motivo para viver: meu
filho. Naquela noite, me ajoelhei ao lado da cama do Victor e rezei. Pedi a
Deus que me desse a oportunidade de ver meu menino crescer.
Fiz um
autotransplante com 1% de chance de dar certo
Minhas preces foram ouvidas e os céus enviaram um anjo para
cuidar de mim. Meu médico se compadeceu com minha situação e salvou minha vida.
Ele fez algumas sessões de quimio sem cobrar nada, com a garantia de que eu
ganharia o processo contra o convênio e ele receberia tudo no futuro – ganhei o
processo depois de dois anos e ele foi pago por tudo. Já no dia seguinte, fiz a
primeira sessão de quimioterapia para controlar o câncer. Segui o tratamento
por dois anos. O tumor regrediu e eu já conseguia respirar, mas a quimio estava
destruindo minha resistência. E, como o tumor estava localizado muito perto de
uma artéria, não dava para operar. Foi então que o doutor propôs que eu fizesse
um autotransplante de medula. O negócio era complexo. Primeiro, um exame mostraria
se as células da minha medula ainda não tinham câncer. Se não tivessem, seriam
retiradas e guardadas. Aí, eu faria uma quimioterapia muito forte, que
destruiria o tumor, mas também acabaria com todas as defesas do meu corpo. Em
seguida, a medula seria retransplantada em mim e eu recuperaria minhas defesas.
Era uma opção muito perigosa e arriscada, mas não havia outra saída. Se não
fizesse, o câncer ia me consumir. Topei fazer o transplante, mas o médico
deixou claro que eu podia não sobreviver. Tinha só 1% de chance de dar certo.
Era quase outra sentença de morte! Tanto que, antes do procedimento, fiz
questão de ir a um cartório e registrar uma carta em que deixava a guarda do
meu filho para sua madrinha, pois não confiava no pai dele, de quem já estava
separada.
Como meu coração
estava apertado! Fiz uma quimioterapia intensa nos 15 dias que antecederam o
procedimento. Isso me deixou completamente sem defesas. Ficava isolada, sem
poder ver ninguém. Toda noite, eu ligava para fazer o Victor dormir e chorava
com medo do que podia acontecer. Então, no dia 21 de janeiro de 2009 o doutor e
sua equipe injetaram o líquido da minha medula novamente em mim. Depois do
procedimento, perdi todos os meus movimentos, só mexia os olhos. Isso já era esperado.
O médico explicou que, se em 45 dias eu voltasse a me mexer, meu corpo teria
aceitado o transplante e eu me recuperaria. Do contrário, eu morreria... Eu
passava o tempo todo olhando para o meu pé, tentando mexer o dedão. Depois de
dois dias, consegui que ele se mexesse um pouquinho! Que alegria! No dia
seguinte, mexi os dedos da mão e, aos poucos, meu corpo todo foi se
recuperando. Mas não pense que foi um processo fácil. Passei mais 45 dias
internada, sem contato com ninguém, nem com meu filho. Ficava o tempo todo
sonhando em reencontrar o Victor. Queria tanto ver meu menino que consegui que
o médico me desse alta antes do previsto. Cheguei em casa e o abracei bem
apertado. Chorei de alegria.
Tive uma trombose e
fiquei um ano sem poder andar
O problema é que minha perna começou a inchar sem parar. No
dia seguinte, eu não conseguia mais andar e sentia dores insuportáveis na
perna. Voltei para o hospital e dessa vez fui diagnosticada com trombose
profunda, um entupimento da circulação do sangue. Passei nove dias internada e
depois fui liberada para voltar para casa e continuar de lá o tratamento. Mas
eu não estava bem: foram três meses sem sair da cama, quase um ano praticamente
sem andar e mais um ano com bengala. Somente em 2012, consegui voltar a caminhar
normalmente. Por causa de todos esses problemas, acabei largando meu trabalho
com eventos e passei a trabalhar como assistente administrativa de uma empresa.
Escapei da morte pela
quarta vez
Em busca de um salto profissionalmente, abri uma ótica em
Embu-Guaçu, em São Paulo – SP, mas essa realização durou apenas dois meses. Vi
minha loja ser destruída por uma tempestade que acabou com a cidade. No momento da tormenta, estava de carro, em cima de uma
ponte da cidade. O veículo balançou muito e quase capotou! Por sorte consegui
escapar de mais um pesadelo. Quando tive condições de ver minha loja, o teto
havia caído sobre a cadeira onde eu ficava durante o dia. Naquele momento tive
a certeza de que ainda não chegou minha hora de partir, tenho uma missão para
cumprir por aqui.
Estou curada e vou
conseguir realizar um sonho do meu filho
Hoje, pré-adolescente, Victor finalmente irá conhecer a
praia. É contagiante a ansiedade dele! Meu médico finalmente me liberou para
fazer esse passeio, que esperávamos há tanto tempo, afinal, posso dizer: estou
curada. Parece que estou sonhando acordada... Apesar de tudo que já sofri, hoje
me sinto ótima. Sou uma sobrevivente; uma guerreira. Por três vezes, os médicos
disseram que eu não viveria e a vida ainda me colocou no meio de uma tragédia.
Mas aqui estou eu, viva.
Dioneia Vitta, 47
anos, dona de casa, São Paulo, SP