Na falta de padres, mulheres celebram cerimônias em igrejas de Portugal
Em algumas aldeias do sudeste de Portugal, a falta de padres
católicos levou mulheres locais, simples fiéis, a celebrar elas próprias
cerimônias para animar a vida religiosa destas comunidades, antigas, mas
abertas à mudança.

Na minúscula igreja de Carrapatelo, aldeia de meia centena
de casas construídas sobre uma colina com vista para os vinhedos da região de
Reguengos de Monsaraz, Claudia Rocha,
vestida de preto, se dirige a uma dezena de fiéis, mulheres idosas em sua
maioria.
Enquanto sua bolsa de couro e seu smartphone a esperam
apoiados no primeiro banco, a jovem de 31 anos conduz com facilidade esta
"assembleia dominical na ausência de padre".
Após as orações e os cantos litúrgicos, ela mesma comenta as
leituras bíblicas do dia, como faria qualquer outro prelado.
Ao fim da cerimônia, distribui a comunhão como ocorre na
missa, com a única diferença de que as hóstias que reparte foram benzidas por
um padre e que ela não bebe o vinho que representa o sangue de Cristo.
"Se eu não estivesse aqui hoje, está igreja estaria
fechada. Pouco importa que seja mulher, diácono ou padre: o que conta é ter
alguém que pertença à comunidade e mantenha o vínculo com o padre, inclusive
quando ele não está", explica.
Efetivamente, outros países têm este tipo de celebrações sem
ministro ordenado, como Alemanha, França, Suíça ou Estados Unidos, devido à
falta de padres católicos.
Sua aparição remonta aos anos 80, mas o Vaticano e muitos
eclesiásticos se negam a encorajá-la por medo de uma banalização da missa.
O padre Manuel José
Marques, por sua vez, não encara isso com maus olhos. Em Reguengos de
Monsaraz, localidade da região do Alentejo, perto da fronteira com a Espanha,
assembleias dominicais como essas, realizadas há mais de uma década, são
necessárias.
Os fiéis que o ajudam de forma voluntária, de 24 a 65 anos,
"são pessoas que têm a experiência da fé e do encontro com Cristo, e que
sabem falar disso", resume, ressaltando que não faz nenhuma distinção
entre homens e mulheres.
O recurso às mulheres laicas existe em outras regiões rurais
de Portugal, país de dez milhões de habitantes, dos quais 88% são católicos,
segundo estimativas da Igreja, e que tem apenas 3.500 padres para 4.400
paróquias.
Assunto delicado
Em agosto passado, o Papa
Francisco criou uma comissão de estudo sobre o papel das mulheres
diaconisas nos trabalhos do cristianismo. E embora tenha desmentido ter
"aberto o caminho para as diaconisas", sua iniciativa é encarada como
um gesto de abertura potencialmente histórico sobre o papel das mulheres no
seio da Igreja.
"É um assunto muito delicado, mas nós o simplificamos.
Nesta pequena aldeia, tomamos a dianteira do Vaticano", considera Claudia Rocha ao sair da igreja.
Exibindo um espírito progressista, o padre Manuel considera
que "as mulheres seriam padres e diaconisas muito boas". No entanto,
adverte, "não é a opinião de um padre nem de dez que fazem a
teologia".
Os paroquianos, por sua vez, aprovam a presença de uma mulher
no púlpito. "No início achávamos estranho: 'Uma mulher ministrando a
missa?' Mas depois nos acostumamos", explica Angélica Vital, aposentada de 78 anos e frequentadora das missas.